domingo, 2 de setembro de 2007

Uma resposta pessoal.


A propósito de um post no blog de Geraldes Lino sobre o programa, e ainda pela notícia de João Miguel Lameiras no Diário das Beiras, venho por este meio tentar dar algumas respostas às questões levantadas nesses dois textos, e comentários apensos.
Fico grato de o programa ter levado a algum grau de discussão, e num espaço gerido por alguém que muito prezo e que sei ser um nome importante no panorama da banda desenhada portuguesa, como o Geraldes Lino, que conto entre as amizades no “meio”. Acrescente-se a isso os pontos inteligentemente apontados por João Miguel Lameiras. Gostava de ter a oportunidade de tentar responder a alguns dos pontos apresentados, se bem que não possa ser exaustivo em todos eles.
O que primeiro gostava de deixar claro é que assumo totalmente as responsabilidades que me cabem em relação ao programa VERBD, que partilho de modo igual com o Paulo Seabra. A equipa de produção e as decisões estilísticas e intelectuais que pautaram o programa pertencem-nos completa e exclusivamente (ainda que se deva esclarecer o apoio quer da parte da produtora Black Maria e da própria RTP, naturalmente), assim como as suas limitações, erros ou falhas que os espectadores considerem existir. Todavia, sendo um programa de televisão, produzido para um canal público, para um formato muito específico (cinco programas de 25 minutos cada), a estruturação da potencialidade foi feita no interior de um pequeno espartilho: esse espartilho jamais se tornou fonte de restrições ou constrangimentos, mas simplesmente o espaço no qual poderíamos exercer a nossa total liberdade, que afirmo ter sido cumprida.
Em segundo lugar, como várias vezes deixei claro e foi mesmo afirmado no programa, no blog e noutros espaços, o VERBD nunca almejou tornar-se um programa exaustivo sobre a banda desenhada portuguesa. Tratava-se tão-somente de criar um panorama, sobretudo da contemporaneidade da banda desenhada portuguesa, e para a criação desse panorama criou-se um prisma que serviria de ponto de partida para a emergência do discurso pretendido. Esse prisma consolidar-se-ia pelos autores. Não poderíamos, nunca, falar de todos. Uma escolha era, portanto, imperativa. Como os escolher? Como fazer uma escolha que – não esgotando nada, não se querendo tornar holística ou última - se pudesse considerar, mesmo que por este ou aquele sector, pertinente para se falar da banda desenhada contemporânea portuguesa?
Há duas respostas que devo avançar neste momento, e que não têm ordem de importância. Em primeiro lugar, Geraldes Lino sabe como poucos que, pessoalmente, conheço muitos autores de banda desenhada, de vários “sectores” (como muitas pessoas querem ver e entender que funciona este mundo pequeno e compacto) e que não me pautei por esse critério de laços de amizade. Não nego, porém, que nutro amizade por alguns dos autores presentes no VERBD, não é segredo nenhum. No entanto, parecendo-me que alguns dos comentários apontam nesse sentido, digo que não poderiam ser mais erróneos.
Por outro lado, e aproveitando as palavras de Domingos Isabelinho, o meu objectivo não é o de divulgar a banda desenhada, mas o de construir um discurso crítico muito específico. Como todos os que escrevem sobre banda desenhada ou lêem sobre ela em Portugal sabem, cheguei à relativamente pouco tempo a esta área de discussão pública, em contraste com as pessoas que passaram pelo “Nemo”, pelas edições portuenses da “Quadrado”, das várias revistas, boletins e dossiers existentes. Há pessoas com muito mais experiência e conhecimento do que eu para a divulgar, com uma capacidade de escrever textos cristalinos e capazes de explicitar a razão pela qual uma ou outra banda desenhada merece ser conhecida por um grande público. Outros há, e são a fonte da minha influência, que conduzem por um caminho de verdadeira discussão, que erigem os possíveis meios de análise e crítica da banda desenhada, secundarizando a opinião pessoal e os gostos da maioria, critérios nulos de qualidade. A minha intenção é diferente. Pode ser considerada de muitas formas, “académica”, “elitista”, até mesmo “chata”, mas como todos os restantes construtores de discursos, não desejo impô-lo, apenas discuti-lo.
Logo, tendo em conta esses dois aspectos – não ter sido conduzido por meros elos de amizade e pretender criar um discurso sobre a banda desenhada balizado por uma discussão intelectual consolidada – lancei-me na selecção de alguns autores que me pareciam desenhar um panorama interessante. Alguns critérios foram taxativos: autores que estivessem “no activo”, pondo de lado autores que tenham abandonado a “cena”. Assim, com pena pessoal uma autora como a Ana Cortesão, que prezo acima de tantos outros, ficou “de fora”. Mas por outro lado, devo dizer neste passo que não considero nem a Ana Cortesão nem a Isabel Carvalho nem a Susa Monteiro “autoras de banda desenhada”, como o Lino o aponta, diferenciando-a dos autores homens. Considero-as, a estas, a outras mulheres, e a todos os homens, da mesma forma: autores de banda desenhada. Outros critérios positivos ditaram as sortes. Por exemplo, um dos anónimos indicou que alguns destes autores não tem sequer um álbum publicado... Das duas uma: ou apenas a Susa Monteiro cai nesta “categoria”, ou então entenderei “álbum” como um formato específico herdeiro da tradição dita franco-belga e reduzo a possibilidade de escolha. Se o autor dessas linhas não conhece o trabalho em formato de livros de todos os autores, não é minha responsabilidade. Seja como for, esse também não era um critério. Há autores que nunca fizeram livros e são gigantes da banda desenhada. Apenas um único exemplo: Winsor McKay. A feitura de uma banda desenhada para um formato em livro não é critério nenhum. Ainda gostaríamos de ter perspectivas muito diferentes, o que nos levou a incluir autores mais velhos e com mais experiência, como o Diniz Conefrey, o António Jorge Gonçalves e o Filipe Abranches, a outros mais velhos mas mais recentes, como o José Carlos Fernandes, a outros mais jovens e com trabalhos consolidados, como o David Soares, o Miguel Rocha e o Pedro Nora, uma jovem e um menos jovem recém-chegados à cena, como a Susa Monteiro e o Luís Henriques, e dois autores que já trabalham à algum tempo, têm muita obra publicada um pouco por todo o mundo, mas são estrelas somente em círculos mais restritos, como a Isabel Carvalho e o André Lemos. Como repetidamente afirmei ainda, os critérios jamais foram por exclusão (“este não entra”) mas sim por inclusão e construção de pertinência. O que levou a que determinados autores, excelentes, não entrassem por terem a sua “categoria” já representada, na minha/nossa perspectiva, ocupada pertinentemente.
Por outro lado, pretendíamos criar um panorama a partir da perspectiva de um grupo restrito de autores, lançando à discussão vários temas que fossem considerados, debatidos e pensados por estes autores, e não dar voz a todos (como se isso fosse possível) os autores vivos da banda desenhada portuguesa. O mesmo dirá respeito aos outros intervenientes, com todo o respeito para todos eles. Por exemplo, houve convites que foram feitos mas não puderam ser cumpridos por razões pessoais, houve mesmo entrevistas feitas mas não utilizadas (por razões que se prendem precisamente com limitações de tempo e repetição de discursos). O programa era sobre autores, e não pretendia de modo algum fazer um panorama de todos aqueles que escrevem sobre banda desenhada. Indique-se ainda que o papel da Sara Figueiredo Costa foi bastante activo, ainda que em termos de bastidores. Gostava de deixar aqui esta nota, publicamente. Mas também aqui houve uma selecção, imperativa para a clareza dos discursos que foram feitos.
A proliferação de discursos – através da inclusão de mais autores e possíveis interlocutores - levaria à sua mesma desagregação. As entrevistas a cada autor, por exemplo, levaram a conversas de cerca de uma hora e meia em média. Repare-se, todavia, o “tempo de antena” reservado a cada um desses autores nos programas apresentados. Logo, a multiplicação de intervenientes não é, à partida e sob a fórmula que seguimos, uma boa ideia.
Ainda assim, devo dizer algo mais.
No entanto, há alguma desatenção de alguns dos comentários neste post em relação ao programa, quer do seu instigador quer da parte de alguns respondentes. Talvez pelo estilo do programa arriscar na multiplicação de canais de informação (imagem, som, texto escrito), ou a particularidade da dessincronização (que não têm qualquer problema intrínseco a não ser o gorar as expectativas da ilusão naturalista dos programas de televisão), parece-me que as pessoas não notaram na presença de muitos dos artistas que dizem ter estado ausentes... sob a forma de imagens (sempre com a atribuição dos nomes, salvo um erro apontado no blog) ou de citações, surgem quase todos os nomes citados nos comentários a este post. Por exemplo, a Isabel Lobinho é mesmo reservado um espaço privilegiado (três pranchas) aquando da discussão da revista Visão. Três pranchas, pode parecer que não, mas em televisão, é muito, tendo em consideração o edifício erguido.
Aliás, os dois primeiros episódios tentaram criar uma perspectiva histórica, desde o século XIX até à revista LX Comics, que me parece ter dado entrada a um fazer contemporâneo de banda desenhada em Portugal, que ainda hoje continua. E só alguns autores (cinco, dos onze) acabam por falar das revistas Tintin, Visão e Lx Comics. Os dois seguintes episódios são exclusivamente dedicados aos autores, é certo, mas vogando por territórios tão pessoais (técnicas, obras publicadas) como gerais (perspectivas sociais, partilhas de memória, etc.). E terminámos com um episódio quase totalmente ocupado por quatro ideias sobre o ensino (com os seus directores ou responsáveis maiores, logo não faria sentido multiplicar a sua presença com os restantes professores) e com o nosso discurso de balanço final... Logo, dizer que os autores tiveram uma presença demasiada é, parece-me, erróneo.
Que existem outros autores, e de qualidades indiscutíveis, não é novidade. Mas a exaustão, repito-o, não é um caminho correcto para a assunção de um discurso que se pretende coeso e pertinente sobre a banda desenhada. Como muito bem entendeu João Ramalho Santos, a minha presença e a do Paulo Seabra (por favor, não se esqueçam que este foi um trabalho a dois, de responsabilidades assumidas em conjunto) são sentidas pela própria substância do programa.
Mas há um outro aspecto que desejo tornar claro, se bem que seja sempre impossível esgotar toda a fundamentação desta perspectiva. É que o nosso objectivo não era criar um panorama completo da banda desenhada portuguesa contemporânea, mas muito menos da banda desenhada enquanto objecto de paixões cegas e acriteriosas, mergulhando-se em obras que possam ser muito famosas, conhecidas mas que, a meu ver, são fracas em termos da linguagem, potencialidade e valor da banda desenhada enquanto modo de expressão. Os critérios foram de inclusão, mas algum grau de subjectividade não é de menosprezar (afinal, é dado adquirido do espírito humano) e uma dessas subjectividades é aquilo que entendemos ser a qualidade. A qualidade tem a ver com um determinado fazer, que se pretende adulto, correspondendo ao mundo real, às preocupações sociais do presente, às possibilidades expressivas que o ser humano possui, à capacidade de reinvenção ou alguma proximidade a uma voz autêntica, genuína, pessoal. Assim sendo, não será surpresa que alguns trabalhos derivativos e de banda desenhada comercial, de género, tenha sido preterida em nome de todos estes autores capazes de uma voz pessoal. Algures, alguém indicou que não se tinha dado atenção nenhuma aos mangakas portugueses – autores de mangá portugueses. Pois bem, julgo que a razão disso reside precisamente nessa mesma distinção. São autores de uma banda desenhada cuja tradição não nos pertence, cujas regras de construção são ligeiramente diferentes da banda desenhada europeia e ocidental em geral. Este é um ponto fraco de argumentação, eu sei, pois são autores portugueses a fazer bandas desenhadas em português e em Portugal. Logo, qual a diferença? Mas acima de tudo porque não existe nenhum mangaka português ou portuguesa, pelo menos que eu conheça, capazes de criar uma obra que lhes seja própria, pessoal, não-derivativa. E não se apressem a indicar que é isto devido a um preconceito meu, pessoal, contra a banda desenhada japonesa ou “à japonês”... Passeiem-se um pouco pelo LERBD e verão que tal preconceito pura e simplesmente não existe. Aliás, nenhum preconceito existe nas minhas leituras de bandas desenhadas. Só existem conceitos após a leitura, e a falta de qualidade só é avaliada após a leitura. A razão que me levou à exclusão dos mangakas é a mesma que me levou a não ter dedicado mais tempo a autores como Miguel Montenegro, Eliseu Gouveia, João Lemos, Ricardo Tércio e Daniel Maia... Estou desejoso de ver o livro do João Lemos e gostei muito do traço do Tércio no Spiderman Fairy Tales mas que eu saiba o Homem-Aranha não é candidato à inclusão na “banda desenhada portuguesa”. Possa vir eu a fazer um documentário sobre “autores portugueses a trabalhar para mercados internacionais” e serão eles os nomes centrais!
O desequilíbrio para com os argumentistas é mais pertinente. Saberão alguns que não sigo o mito do “autor completo”, mas por uma questão de clareza, mais uma vez, foram seleccionados antes autores que fossem capazes que criar as suas obras sozinhos (apesar de todos eles terem já trabalhado em colaborações), e sendo a porção visual a mais, perdoe-se o pleonasmo, visível, foi essa a perseguida. Tal como o LERBD se dedica à dimensão do legível e do interpretável, prestando-se a ser um espaço de um discurso mais alongado e de todo o tipo de associações suscitado pela leitura concreta, o VERBD é um espaço de um modo visual debruçando-se sobre outro modo visual... Deseja-se enquanto ponto de equilíbrio entre um instrumento de pedagogia mas também de reflexão, de retrato mas também de crítica.
Por ocasião do 17º Festival da Amadora, em 2006, fui um dos convidados, juntamente com a Sara Figueiredo Costa, a darmos algumas achegas para a exposição dos “17 portugueses”. Também aí se reservou um espaço externo e futuro para os argumentistas, e apresentámos uma lista de cerca de 20 nomes que julgamos pertinente, 20 nomes de pessoas que escrevem mas não desenham banda desenhada. 20 nomes contra os 2 que existiam originalmente. Espero que se venha a concretizar essa ideia, a efectuar essa exposição. Mas num programa de televisão não havia tempo para explorar as histórias em particular. Não o fizemos, com pesar, sobre estes onze autores. Não o fizemos dos brilhantes e bravos argumentistas existentes em Portugal (alguns deles surgiram no programa, mas não nessa qualidade, como bem apontou Geraldes Lino).
No catálogo da Amadora, a propósito dessa exposição citada, a Sara e eu delineámos esta frase: “uma escolha é uma escolha é uma escolha” (imitando Gertrude Stein). De facto, repita-se, até à exaustão: esta foi a nossa escolha, a nossa selecção, a nossa perspectiva. Debater esta escolha com outra escolha é um exercício ligeiramente desprovido de sentido, a não ser apenas uma forma de mostrarmos a nossa capacidade, quando não fomos nós a fazer essa escolha, de a fazer. Todavia, é muito saudável e desejável que esta escolha, ou mais profundamente, que as consequências desta escolha e o discurso que foi possível construir com ela sejam alvo de apreciação crítica, análise, discussão e até mesmo contestação, para que se possa, cada vez mais, construir um discurso verdadeiramente democrático, equilibrado e adulto sobre a banda desenhada.
Aliás, é mesmo nosso desejo que se sigam novas aventuras, investigações e projectos... Porque pensam que terminámos o programa com “Venham Mais Cinco”?
Vosso,
Pedro Moura

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

VERBD no Expresso 2 (pequena recensão de televisão)

Repete-se, mas de forma mais global e tornando-se assim razão para maior orgulho, uma menção ao programa por José Alves Mendes, nas páginas do Actual/Expresso, de 25 de Agosto.

Ena!

domingo, 26 de agosto de 2007

VERBD - O fim e o princípio.


A série pode ter chegado ao fim, mas isso não a impede de continuar a viver.
Em primeiro lugar, gostaria de pedir ou colocar o desafio aos telespectadores que nos acompanharam ou que falharam algum episódio de insistir junto à RTP2 que haja uma repetição do programa ainda este ano, durante o Outono ou Inverno. Basta dirigirem-se a este link e deixar lá algum comentário e pedido: http://www.rtp.pt/wportal/participe/formulario.php
Obrigado.
Estamos neste momento a coordenar algumas "pontas" para poder dar notícias sobre o programa noutras formas (DVD e livro, pelo menos). Mal tenhamos notícias, voltaremos a dá-las aqui.
Obrigado a todos. Aos que se disponibilizaram para as entrevistas, aos que foram incomodados com elas mas acabaram por não se ver incluídos no programa, aos que por várias razões não poderam participar. Aos que nos ajudaram de formas mais visíveis e a outros que nos apoiaram de modo menos imediato, mas cuja importância não é de somenos. Aos que gostaram e aos que gostaram menos, mas viram. Aos que se sentem espicaçados para repensar de uma outra forma a banda desenhada e aos que concordaram com todas as vírgulas. Aos que aprenderam a ficar um pouco mais curiosos pela banda desenhada e aos que sempre a entenderam bem. Aos interessados em geral... Obrigado.
Pedro Moura e Paulo Seabra.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Crítica ao programa no diário As Beiras. 18 Agosto 2007

João Miguel Lameiras, crítico de banda desenhada de invejável currículo, e um dos entrevistados do VERBD, escreve regularmente uma rubrica sobre e em torno da banda desenhada no diário As Beiras. Fez-nos ele a gentileza de nos enviar o seu texto, que aqui postamos (podendo ser consultado também, como de costume, na secção de "Recortes" da Bedeteca de Lisboa).
Prezamos muito a atenção e a inteligência dada ao programa através deste texto, com críticas pertinentes, a que responderemos atempadamente, aqui mesmo neste post, para um contínuo diálogo com os interessados e como forma de contributo a uma discussão ampla e criativa. Estão todos convidados a se juntarem à mesma.
"VER BD… NA TV
Com excepção de alguma notícia ocasional por ocasião do último filme de Hollywood baseado numa personagem de BD e de efemérides como os cem anos do nascimento de Hergé, a presença da Banda Desenhada nos ecrãs das televisões nacionais é quase nula. Até por isso, o programa “Ver BD”, actualmente em exibição aos domingos às 13 H na RTP 2, com repetição no mesmo dia à 1 H da madrugada, é um acontecimento incontornável que este espaço não podia deixar de assinalar.
Com três dos cinco programas que compõem esta série já exibidos, já é possível fazer um balanço muito positivo deste projecto, que procura dar a descobrir ao público interessado um panorama da Banda Desenhada nacional, com destaque para uma vertente mais autoral, partindo do trabalho de onze autores contemporâneos.
Os onze “magníficos” são, por ordem alfabética: Filipe Abranches; Isabel Carvalho; Diniz Conefrey; José Carlos Fernandes; António Jorge Gonçalves; Luís Henriques; André Lemos; Susa Monteiro; Pedro Nora; Miguel Rocha e David Soares. Uma listagem tão eclética como discutível (como o são inevitavelmente este tipo de listagens…) em que, a par de nomes perfeitamente incontornáveis, face à quantidade e qualidade do seu trabalho, como Miguel Rocha, José Carlos Fernandes, Filipe Abranches, David Soares, ou Diniz Coneferey, surgem outra escolhas bastante mais controversas, como Susa Monteiro, cuja qualidade gráfica é inegável, mas que ainda está muito longe de ter produzido o suficiente para se poder considerar a sua obra como representativa do que quer que seja…
Os dois primeiros programas, transmitidos a 29 de Julho e a 5 de Agosto, respectivamente, traçaram uma breve história da BD portuguesa, do trabalho pioneiro Rafael Bordalo Pinheiro à revista “Tintin”, no primeiro programa, e da revista “Tintin” até à actualidade no segundo, em que é dado destaque às experiências efémeras das revistas “Visão” e “LX Comics”. Contando com depoimentos de especialistas, críticos e autores como fio condutor, este percurso de pouco menos de uma hora pela BD feita em Portugal, estava muito bem feito, pecando por vezes por um excesso de informação, sobretudo quando ao depoimento do especialista se associavam no ecrã imagens do trabalho dos autores de que ele estava a falar, a um texto complementar a correr em rodapé, tornando difícil, para um telespectador que não esteja bem dentro do assunto, assimilar tanta informação simultânea.
Quanto à panorâmica traçada pelos autores do programa, apenas encontrei uma lacuna importante, que é a quase nula referência à importância dos jornais como campo de evolução dos autores portugueses, findo o período áureo das revistas. E se alguns dos onze autores, como José Carlos Fernandes (com a “Agência de Viagens Leming” no Diário de Notícias”) e Diniz Conefrey (que no “Expresso” e no “Blitz”, construiu algumas das mais interessantes experiências gráficas da sua carreira) passaram episodicamente pelos jornais, outros nomes igualmente importantes, mas que estão (quanto a mim, injustamente) ausentes da selecção feita por Pedro Moura, produziram os seus trabalhos mais importantes directamente para as páginas dos jornais. Foi o caso de Fernando Relvas no semanário “Sete”; de Nuno Saraiva, primeiro no “Independente” (com a “Filosofia de Ponta”, a meias com o Júlio Pinto) e mais tarde no “Expresso” e no “Sol”, e da dupla Rui Ricardo Esgar Acelerado no “Blitz” com a série “Superfuzz”.
O terceiro episódio, exibido a 12 de Agosto, foi exclusivamente dedicado aos métodos, técnicas e processos de trabalho dos onze autores, mostrando as diferentes formas de abordagem seguidas por cada um. Uma interessante viagem aos bastidores do processo de criação de cada autor, que privilegia a parte gráfica e estética, colocando em segundo plano o papel do argumentista que, com a excepção de David Soares (que é, acima de tudo, um escritor que também desenha) tem brilhado pela ausência neste “Ver BD”.
Mas, se exceptuarmos estas pequenas reticências, que poderão até vir a ser rebatidas pelos dois programas que ainda falta emitir, este “Ver BD” é uma aposta claramente ganha e um marco em termos da história da Banda Desenhada em Portugal. Um programa inteligente, com grande rigor de pesquisa e algum arrojo estético e narrativo (como a opção de dessincronizar o texto e a imagem nas entrevistas) que esperamos venha um dia a ser recolhido em DVD.
(“Ver BD”, um programa de Pedro Moura, com realização de Paulo Seabra, uma produção Black Maria para a Rtp 2, 5 episódios de 24 minutos, aos domingos, às 13h na RTP 2. Mais informações em http://programaverbd.blogspot.com/)"
João Miguel Lameiras
(brevemente: "respostas")

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

VERBD: 5º EPISÓDIO: 26 Agosto 2007, RTP2 - 14h30

A pedra de fecho do VERBD é ainda uma obra em construção...

O quinto e último episódio do programa VERBD abre com alguns apontamentos, pelas intervenções de João Paulo Cotrim e Leonardo De Sá, sobre a memória que se cultiva em Portugal, sobretudo aquela que diz respeito à continuidade e andamento da banda desenhada.
Uma das formas de contributo para essa memória é o esforço do próprio programa, claro está. Uma outra é a via do ensino, que não só passa conhecimentos do fazer como do sabr que compõem esta área expressiva e criativa. Assim sendo, apresentam-se quatro das experiências de ensino da banda desenhada mais consolidadas do país:

Marcos Farrajota explicita o trabalho que tem desenvolvido em mais de dez anos em variadíssimos workshops que tem organizado, ou onde outros convites o levam. Têm sido dirigidos a pessoas de todas as idades, quer desde crianças de tenra idade a adultos que nunca o experimentaram, e com uma vocação particular para primeiras experiências, e naproximações pedagógicas divertidas. Mais informações, aqui.

José Pedro Cavalheiro tem sido o mentor principal dos cursos ministrados na Fundação Calouste Gulbenkian (CITEN) que recentemente se "mudaram" para a FBAUL (passando a chamar-se CIEAM). Há aqui um manancial reunido de grande conhecimento, quer em termos técnicos, artísticos e expressivos, como de uma grande preocupação pedagógica aberta e sensível ao desenvolvimento das aptidões pessoais. Mais dirigido a quem tem algum domínio no desenho (ou outras disciplinas análogas), despertam-se aqui muitas das especificidades da banda desenhada. É desses cursos e os seus propósitos que Zepe fala.

O Ar.Co é uma das escolas artísticas mais respeitadas em Lisboa, e tem um curso de banda desenhada e ilustração também pautado pela excelência da instituição. Os vários intervenientes, todos agentes e activos nessa cena de uma grande qualidade, conseguem fazer com que os discentes desenvolvam as suas capacidades com uma grande atenção para com as possibilidades reais de trabalho no "mercado" existente. É Jorge Nesbitt o seu director.

Mais recentemente, no ano lectivo de 2006-2007, a Escola Superior Artística do Porto - extensão de Guimarães, estreou a primeira licenciatura em banda desenhada e ilustração em Portugal. Contando com uma sólida distribuição de unidades curriculares em torno dos aspectos mais importantes destas áreas quer de um ponto de vista pragmático quer de uma perspectiva mais teórica, é seu objectivo contribuir para uma nova geração informada e especificamente dedicada à criação de banda desenhada. Isabel Carvalho, aqui na qualidade de directora desse mesmo curso, fala-nos aqui desse desafio.

Todos estes cursos, uns mais longos que outros, outros mais novos que outros, todos diferentes nas qualidades entre si mas igualando nos seus níveis, produziram muitas publicações, de fanzines a álbuns, livros de exercícios e sites, etc. Mostramos, saindo das malas e mochilas escolares, algumas dessas experiências.
X-X-X-X
Como não poderia deixar de ser, reservamo-nos ao direito de, neste último episódio, tecermos algumas conclusões e apontamentos sobre o objecto que aqui nos trouxe e sobre o programa em si.
Em "Discurso do Método" explicamos o que se obteve com este programa televisivo, que julgamos de uma importante carga pedagógica junto do grande público, e ainda o facto, que não deve deixar de ser sempr sublinhado, que este panorama ou perspectiva que se criou é uma das muitas que poderiam ter sido criadas. Parece-nos que esta era a que mais se adequava aos nossos propósitos, de equilíbrio, dignidade e honestidade intelectual para com a banda desenhada contemporãnea (e não só) portuguesa. Esperemos que surjam outras, pois só no diálogo é que uma arte de fortalece. Em "Post-Scriptum", revelamos algumas das "pontas" que não foram possíveis desenvolver nos programas, pelas óbvias limitações do formato em si.
Existem em projecto, quem sabe terão vida pública...
Nota: repete à 1h00 do dia seguinte (Segunda, 27). O episódio passou nos primeiros minutos num formato "esborrachado", e o cartão publicitário da livraria Dr. Kartoon foi cortado (tal como parte do da cafetaria do Chiado). Esses problemas técnicos são da inteira responsabilidade da RTP2. As nossas desculpas pelos mesmos.

VERBD no Expresso (pequena recensão de televisão)

Depois dos excelentes destaques (meias-páginas) no Expresso e no Público no fim-de-semana em que o VERBD estreou (a 29 de Julho), na rubrica sobre televisão no Actual, do Expresso de 18 deste Agosto, assinada por José Alves Mendes, o nosso programa aparece com a nota "interessante" (acima do "maçador", abaixo do "excelente"). Nada mau para um tema que a poucos parece interessar debater seriamente mas apaixona terrivelmente.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

VERBD: 4º EPISÓDIO: 19 Agosto 2007, RTP2 - 13h20

"A importância de ser publicado" é o lema do penúltimo episódio. Se bem que a banda desenhada possa existir antes, depois e para além de qualquer suporte de papel, é nessa forma que ela existe maioritariamente no mundo.


Começando pelos fanzines, pela mão de dois dos seus mais carismáticos agentes - e muito diferentes, claro está - em Portugal, a saber, Geraldes Lino e Marcos Farrajota, passar-se-á para os livros e depois algumas considerações gerais sobre o mercado editorial português ou a edição em si. Como em todos os episódios, as opiniões aqui apresentadas são da exclusiva responsabilidade dos entrevistados, mas há muitos factores importantes mencionados e reais. Para além dos autores, intervêm outros dos interlocutores convidados pelo VERBD.

Não consideramos uma hierarquia de qualidade entre os fanzines e os livros, mas simplesmente surgem nesta ordem por uma razão cronológica em relação ao processo de publicação da esmagadora maioria dos autores portugueses, sem detrimento às excepções.
Apresenta-se ainda um pequeno "vídeoclip", em que La Toilette des Étoiles dos Belle Chase Hotel nos faz visitar por um pequeno museu de publicações ou livros-objecto, com um destaque pessoal para João Bragança e Tiago Manuel.
Mostra-se aqui ainda um pequeno vídeo, parte do genérico final dos programas, no qual se mostra uma pequena pilha de livros, revistas e publicações onde surgem trabalhos dos onze autores seleccionados para serem o centro do VERBD (um dos entrevistados é José Pedro Cavalheiro, ou Zepe, que surge na ponta inicial do vídeo).


Nota: o programa passou num formato "esborrachado", na sessão da tarde, nos primeiros minutos. Além disso, foi cortado o cartão publicitário final à livraria Dr. Kartoon. Não temos responsabilidade nesses problemas de ordem técnica, mas ficam as nossas desculpas.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

VERBD: 3º EPISÓDIO: 12 Agosto 2007, RTP2 - 13h00

Este episódio é exclusivamente dedicado aos métodos, técnicas e processos de trabalho dos onze autores.
Pequenas explicações são dadas pelos próprios autores, ora de todo o processo ora de uma técnica particular que tenham utilizado, assim como são reveladas as ferramentas de trabalho, os caderninhos de apontamentos, os arquivos de apoio, todo o campo por onde lavram...
Com a excepção de dois autores, todos "desenharam ao vivo" para o VERBD, e vemos assim revelado ainda uma outra faceta (a das mãos) dos mesmos autores.
Depois dessas introduções, seguem-se pequenos "telediscos" com imagens da arte original de todos eles.
(em nenhuma ordem em particular:)
Susa Monteiro finalizando uma prancha inédita (quando filmado)
Estatuetas kitsch/modelos de Isabel Carvalho no seu atelier
A imensa mão de José Carlos Fernandes segurando uma folha enquanto desenha a pincel
Luís Henriques a iniciar a passagem a tinta num das pranchas de Babinski, já disponível
Miguel Rocha pintando a óleo um estudo de uma personagem para um futuro projecto
Pedro Nora explicando um método experimental utilizado
André Lemos dando toques finais num desenho livre
António Jorge Gonçalves demonstrando o seu modo de desenhar digitalmente ao vivo (com projecção)
David Soares revelando um dos seus inúmeros cadernos de apontamentos e découpages dos livros feitos e por vir
Diniz Conefrey passando a tinta as riquíssimas e complexíssimas pranchas do seu projecto Tonalamatl.
Filipe Abranches esquissando a lápis uma base para um desenho a tinta-da-china

Depois deste episódio não pode haver quem ainda pense que é "difícil começar". É fazer.

VERBD: 2º EPISÓDIO: 5 Agosto 2007, RTP2 - 12h55


Continuando a atravessar de um modo brevíssmo a história da banda desenhada em Portugal, é sob a orientação de Dinis Machado/McShade, o testa-de-ferro da revista Tintin (a portuguesa, claro está) que nos iniciamos.

Parece-nos que esta revista, para o bem ou para o mal (mas abrir as perspectivas é sempre positivo), foi fundamental para toda uma geração (bastante ampla, na realidade) que tanto abarca os autores desta série de programas como a maioria dos autores entrevistados e uma grande comunidade de leitores...
Depois seguem-se os marcos da Visão, da Lx Comics e fala-se da produção contemporânea, assim como de pequenos desvios que têm a ver com as ideias feitas que vivem de mãos dadas quando se fala em banda desenhada.
Nota: este resumo foi colocado depois do programa ter ido para o ar. As nossas desculpas.

domingo, 29 de julho de 2007

Nota sobre o primeiro episódio.

Informam-se os interessados que o primeiro episódio do VERBD foi transmitido no dia 29 de Julho com um ratio ligeiramente esticado, o que explica a qualidade das imagens mostradas. Esse pequeno desvio técnico é da responsabilidade da RTP2.

terça-feira, 24 de julho de 2007

VERBD: 1º EPISÓDIO: 29 Julho 2007, RTP2 - 13h30


É sob o signo de Raphael Bordallo Pinheiro que o primeiro episódio de VERBD vai para o ar, logo depois da barrigada de almoço e dos The Simpsons na RTP2, no Domingo dia 29 de Julho de 2007. Repete à 1h30 da manhã do dia seguinte.
Este primeiro episódio, depois de uma breve apresentação dos "onze autores" e uma espécie de introdução ao objecto cultural não-identificado da banda desenhada, lançar-se-á numa perspectiva sobre a história da banda desenhada em Portugal, começando pelos meados do século XIX e indo até à revista Tintin, passando por outros cantos e perguntas e surpresas.
Seguem-se os outros nos próximos Domingos deste Verão...

quarta-feira, 18 de julho de 2007

VERBD1: genérico de entrada

Os autores: Introdução

Como foi dito, a selecção dos autores não foi feita num processo de "exclusão", mas antes de procurar, com esta escolha parcial, ser-se pertinente para um retrato da banda desenhada contemporânea portuguesa. Todavia, esta "lista" revela uma banda desenhada criada com preocupações criativas específicas. Todos estes são autores que pretendem, através dos seus instrumentos, estratégias e abordagens muito diversas, através dos seus caminhos diferenciados, chegar a uma ideia desenvolta da arte da banda desenhada, enquanto modo de expressão adulto, inteligente, e afastado da esmagadora maioria da produção, que antes cabe num dos ramos da indústria de entretenimento.
Portugal, tal como em muitas outras áreas criativas, não tem qualquer razão para se sentir embaraçado com os seus autores de banda desenhada contemporâneos, cuja qualidade estética e intelectual está a par da criação a nível internacional.
O VERBD atravessa sobretudo estes onze autores enquanto interlocutores para os temas discutidos, mas vai bem mais além deles, para chegar a um retrato o mais amplo possível neste espaço de diculgação televisivo. Esperemos que o VERBD mostre no país um conjunto de artistas e de trabalhos que merece toda a atenção e apoio do grande público português e que possa servir de um primeiro passo para um conhecimento maior desta área criativa aos que nela se iniciam, e uma ilustração equilibrada para aqueles que já a conhecem.

Os autores: Filipe Abranches


Filipe Abranches publicou quatro histórias na revista LX Comics. Se formos confrontados com esses quatro trabalhos mas sem essa informação, ficaríamos surpreendidos terem sido criadas pela mesma mão. Na verdade, o único elemento em comum é de facto o nome do autor. Essa capacidade "camaleónica" (um frase empregue repetidas vezes) seria e é a característica maior que pauta os trabalhos de Filipe Abranches, que se apresentam desde as histórias mais curtas a livros maiores, ora portentosos como a História de Lisboa (com o recentemente falecido historiador Oliveira Marques) ora de uma estranha e fantasmagórica intimidade, como a adaptação de uma novela de Raul Brandão, O Diário de K.
Paulatinamente, o seu estilo geral - ao mesmo tempo que atravessa toda a espécie de experiências gráficas, de figuração, de cor, de fôlego, de ambiente - desenvolveu-se numa direcção cada vez mais livre, impressionista, até mesmo desagregada, o que revela uma procura por um maior balanço pela veia autoral, em detrimento de uma aproximação ao grande público, habituado à banda desenhada como "meio escapista" ou "entretenimento". Filipe Abranches, com a sua obra, tem contribuido para que a banda desenhada portuguesa seja mais madura, forte em termos estéticos, e capaz de dialogar com quaisquer outras áreas de criação (haja vontade) ou produções internacionais.

Os autores: Isabel Carvalho


Isabel Carvalho começou com pequenos projectos em A Língua e Satélite Internacional. Tal como no caso de André Lemos, e apesar de ter uma das obras em banda desenhada mais internacionalizadas do país, continua, de certa forma, "abaixo do radar".
O seu trabalho explora sobretudo os lados negros da existência humana, da solidão ao abandono, da falta de amor aos imperativos que a sociedade exerce sobre o corpo e o comportamento de cada um de nós. Mesmo quando aparentemente Isabel Carvalho cria representações do que parecem ser aspectos positivos - a infância, a brincadeira, o amor, a sexualidade -, e como já escrevera antes, "é como se se tratasse de um mundo feito de açúcar, brilhante e doce para melhor esconder a cárie podre por baixo. Os seus desenhos aparentam também uma facilidade no fazer, falsamente imputados a um imginário "feminino", mas que na realidade revelam uma capacidade pouco comum em equilibrar os momentos em que se deve "dizer muito", quase de um modo brroco até, e os em que importa antes "dizer pouco".
Desenvolvendo uma carreira profissional enquanto artista visual e professora, o seu trabalho em banda desenhada também testemunha as contínuas discussões entre os vários pólos que constituem esses espectros criativos: comunicação versus expressão, figuração versus abstracção, narrativismo versus experimentalismo...

Os autores: Diniz Conefrey


Diniz Conefrey é, desta selecção, o autor que trabalha há mais tempo e, igualmente, com uma profusa obra, ainda que sobretudo composta por trabalhos curtos e médios nas mais variadíssimas publicações, desde a LX Comics ao Expresso. Mais recentemente, porém, publicou Arquipélagos, onde faz uma interessantíssima ligação de textos de Herberto Helder à banda desenhada, e o primeiro volume (Cochquixtia: O Despertar) de um imenso projecto intitulado Tonalamatl, O Livro dos dias, e que pretende mostrar a vida de um artista mexica, ou azteca, na sua cultura e mundo e o seu encontro com o homem branco.
Tendo vivido e experimentado muitas das tecnologias de criação e impressão das últimas décadas, Conefrey experimentou toda uma série de técnicas, de um modo pertinente e em perfeita simbiose com a narrativa pretendida. Curiosamente, essa larga e variada experiência nessas tecnologias "avançadas" levou-o a dedicar-se, pelo contrário, a um modo de criação artesanal: pode-se dizer, sem vergonhas e com toda a propriedade, que Conefrey é um virtuoso. É já uma constante afirmar a incomparabilidade das cores no seu trabalho: onde ela existe usualmente apenas para sublinhar um qualquer baixo grau de realismo ou de imperativos editoriais, ela assume em Conefrey um protagonismo verdadeiro e passa a ocupar um território central.

Os autores: José Carlos Fernandes


Talvez se possa afirmar sem dúvidas que é José Carlos Fernandes o mais famoso autor de banda desenhada portuguesa da actualidade. A sua imensa obra, que se espraia por toda uma série de livros, trabalhos curtos em várias publicações, tiras para jornais, trabalho de ilustração, tem já uma fortíssima presença no capítulo desta arte no imaginário português.
A esmagadora maioria da sua criação constrói histórias que se multiplicam em espaços, tempos, temas, personagens, estratégias de criação, mas onde podemos dizer que há um elemento que assume um grau de protagonismo maior: o absurdo. Desde a Pior Banda do Mundo ao Barão Wrangel, é como se todas essas personagens fossem aspectos de um mesmo prisma, que no fundo, terá uma forte ligação com a realidade portuguesa (transfigurada pela sua ficção).
A sua capacidade de criar narrativas chegou mesmo ao ponto de deixar "sementes" na forma de Black Box Stories, cujo primeiro volume foi desenhado por Luís Henriques, mas que serão seguidos por muitos outros seguramente. Mas para além desta aproximação pela narrativa, Fernandes tem também experiências menos usuais, como A Última Obra-prima de Aaron Slobodj.

Os autores: António Jorge Gonçalves


António Jorge Gonçalves é um dos autores mais conhecidos do público português. Com Nuno Artur Silva, lançou um dos álbuns mais frescos da banda desenhada moderna no nosso país, Ana, que seria o primeiro tomo de uma trilogia do detective Filipe Seems. Outros títulos se seguiriam, como O Senhor Abílio, que demonstra como é possível transformar uma obra de encomenda comercial numa aventura gráfica com toda a liberdade e sem par, e A Arte Suprema, com Rui Zink, uma das obras de maior fôlego dos últimos tempos.
Aos poucos e de uma forma natural, António Jorge Gonçalves tem integrado as suas experiências teatrais no seu trabalho e procurado criar uma outra forma de trabalhar a banda desenhada e as áreas contíguas, como no seu projecto Subway Life. É também um dos autores mais atentos para com as especificidades da banda desenhada, em termos discursivos, e já revelou em várias ocasiões ter uma capacidade comunicativa franca e que o torna um agente importante para discussões sobre esta arte de uma forma aberta, adulta e dialogante.

Os autores: Luís Henriques


Luís Henriques é um dos outros autores que "acabaram de chegar". Até à data, publicaram-se dois livros: o primeiro volume das Black Box Stories de José Carlos Fernandes e Babinski, uma adaptação de José Feitor da obra de Meyrink. Ambos são marcos imediatos e revelaram num repente um artista cuja desenvoltura não pode deixar de ser uma surpresa agradável e um contributo à força da banda desenhada portuguesa.
Conhecedor e capaz de vogar as várias disciplinas do desenho, cada uma das histórias apresentadas parecem dizer respeito a uma personalidade diferente, não por uma fragmentação da pessoa e das capacidades de Luís Henriques, mas precisamente por este ser capaz de dar corpos e figuras diferenciadas às várias matérias pretendidas pelas narrativas.

Os autores: André Lemos


André Lemos faz parte dos artistas que estão "abaixo do radar". Uma vez que a esmagadora da atenção normalizada pela banda desenhada se reduz ao que surge em forma de livro, como se este fosse o único veículo digno para ela, perde-se muito em termos de diversidade e excelência estética. Lemos tem uma obra profícua e muito significativa, sendo a esmagadora maioria das suas bandas desenhadas publicadas em fanzines, publicações independentes, muitas das quais das melhores editoras europeias, e outros objectos não-identificados. No entanto, a Bedeteca editou, na sua colecção "Lx Comics" o livro Quem é este homem?
Não houve momento significativo na vanguarda da banda desenhada portuguesa nos últimos 20 anos em que André Lemos não estivesse presente. Não sendo o seu interesse a criação propriamente de "histórias", Lemos é um dos autores cuja aproximação plástica à banda desenhada assume essa mesma natureza: a plástica, e esse é um contributo que lhe é específico e quase único.

Os autores: Susa Monteiro


A Susa Monteiro cabe como uma luva a expressão "chegou e venceu". Tendo publicado toda uma série de relatos curtos em várias publicações - entre as quais, Nemo no Século XXI, Venham Mais Cinco, e na galega Barsowia - conquistou de imediato um conjunto de leitores e fãs, e promete-se a edição de um volume das Black Box Stories, escritas por José Carlos Fernandes, totalmente ilustrado pela artista.
Cultora de um imaginário onírico, Susa Monteiro faz convergir de um modo curioso uma figuração que remete às tradições do "grotesco", mas para reenviar a uma exploração dos aspectos mais emotivos e poéticos da existência do ser humano. Susa Monteiro não é uma "promessa" nem uma "esperança" da banda desenhada portuguesa: é já um cumprimento de uma personalidade autoral vincada desta arte.

Os autores: Pedro Nora


Tendo começado de uma forma fulgurante e experimental nos zines A Língua e depois Satélite Internacional, Pedro Nora tem editado histórias mais ou menos curtas de um modo regular, ainda que espaçado, e onde tem sublimado o seu trabalho para uma cada vez maior "calma gráfica". Do espaço dessas primeiras experiências, de um brilhantismo técnico jamais visto em Portugal, e no qual se incluirá Mr. Burroughs, escrito por David Soares, a trabalhos de colaboração para um público mais alargado, como as experiências em torno do jazz com João Paulo Cotrim, Nora tem sulcado um dos traços mais belos na história contemporânea da banda desenhada portuguesa. E prometem-se novas surpresas para um futuro próximo...

Os autores: Miguel Rocha


Apesar de Miguel Rocha ter "surgido na cena" tardiamente na sua vida, rapidamente se estabeleceu como um dos mais profícuos e dedicados autores desta área criativa. Livros tais como A Vida Numa Colher, Março (com Alex Gozblau), Eduarda (a partir de Georges Bataille) e Salazar. Agora, na hora da sua morte (com João Paulo Cotrim) são livros fundamentais para compreender a produção da banda desenhada contemporânea em Portugal e sobretudo entender que ela se constitui sobretudo de um modo adulto e inteligente. Rocha é também um virtuoso em termos técnicos e cada um dos livros revela a sua capacidade de se reinventar do modo mais adequado e equilibrado em relação ao programa narrativo da obra em questão.

Os autores: David Soares


David Soares é talvez um dos autores portugueses contemporâneos que mais longe levaram a aproximação da banda desenhada pela parte da escrita. O que não é de surpreender, tendo em conta a sua carreira enquanto autor literário e ensaísta, tendo publicado um dos livros mais interessantes sobre banda desenhada alguma vez publicados em Portugal. Autor de Mr. Burroughs com Pedro Nora e de Sammahel e A Última Grande Sala de Cinema desenhados por ele mesmo, David Soares cultiva um estilo muito próprio do género do horror, onde o abjecto e os limites do humano servem para desvendar os resquícios da moralidade que existem em qualquer situação, apesar de tudo...

VERBD: Introdução


Da autoria de Pedro Moura (do blog de crítica de banda desenhada LERBD), e realização de Paulo Seabra, VERBD é uma produção externa da Black Maria para a RTP2. São 5 episódios de 25 minutos cada, e irão para o ar durante o fim de Julho e o mês de Agosto.
VERBD desenhará um panorama geral da banda desenhada portuguesa, com uma especial atenção para a produção contemporânea. Entrevistaram-se onze autores que estão a desenvolver os seus projectos e têm publicado trabalhos de uma qualidade excelente. Por ordem alfabética, são eles Filipe Abranches, Isabel Carvalho, Diniz Conefrey, João Carlos Fernandes, António José Gonçalves, Luís Henriques, André Lemos, Susa Monteiro, Pedro Nora, Miguel Rocha e David Soares. Esta lista inclui desde nomes já famosos e com um longo trabalho a outros mais jovens e “acabados de chegar”. Mais do que se ser exaustivo, pretende-se que esta selecção, apesar de necessariamente parcial, seja pertinente e significativa.
Para além dos autores, entrevistaram-se especialistas da matéria - críticos, historiadores, editores, professores: João Paiva Bóleo, José Pedro Cavalheiro, João Paulo Cotrim, António Dias de Deus, Marcos Farrajota, João Miguel Lameiras, Geraldes Lino, Domingos Isabelinho, Dinis Machado, Jorge Nesbitt e Leonardo De Sá.

Cada episódio está organizado segundo linhas temáticas, apresentando como se editam os trabalhos, as técnicas seguidas pelos vários autores, as relações estabelecidas com o público em geral, o modo como se transmitem as experiências havidas ao longo do tempo e mesmo indo a questões mais profundas sobre a banda desenhada enquanto modo de expressão.
Seguindo uma estrutura dinâmica, servida de muitas imagens, uma profusão de informações, este programa é feito num equilíbrio feliz para que possa agradar aos que já são leitores de banda desenhada, de longa ou curta data, àqueles que ainda não descobriram esta arte.
Um dos aspectos singulares do VERBD é não possuir um único momento sincronizado entre a imagem e o som. As especificidades da banda desenhada informaram a feitura do programa,
as opções estruturais e estéticas tomadas, as quais remetem sempre para o seu objecto. Essa aproximação efectiva entre o objecto discutido e as formas audiovisuais televisivas levam a que este programa apresente facetas de grande criatividade e raramente vistas na televisão portuguesa.